Watts Riots - Wattstax

12:42 Clementino Junior 0 Comments

Em 1965 o bairro de Watts, em Los Angeles (Califórnia – EUA), teve um evento cíclico na história norte-americana (que teria eco décadas mais tarde) quando afro-americanos revoltados com a violência policial e a discriminação fizeram um auê naquele bairro de Los Angeles.

Este bairro que surgiu como um bairro de imigrantes mexicanos até o final do século XIX, se tornou predominantemente branca até os anos 40, quando a constante migração de negros de cidades segregadas para aquela região (em especial com as oportunidades criadas pela indústria bélica a serviço da Segunda Guerra Mundial) tornou este bairro essencialmente negro.

O estopim do distúrbio foi a prisão, por direção veloz, do jovem negro Marquette Frye, que com seu irmão foram parados pelos C.H.I.P.S. (quem não tem idade para conhecer a sigla, é a Califórnia High Patrol, no caso a divisão de L.A.). Vários negros surgiram para ver a discussão, os policiais chamaram reforço, e diante da resistência deles, e de sua mãe que surgiu (o incidente foi em frente a suas casas), a polícia sacou a arma para afastar a população e levou a família Frye presa. A vizinhança ficou irada com a arbitrariedade e falta de controle da polícia, e este fato detonou 6 dias de protestos incendiários, encerradas apenas com a vinda da Guarda Nacional. Resultado: 34 de mortos, e milhares de presos e feridos... evento só comparável aos protestos em 92 por Rodney King.

Sete anos depois acontece um show promovido pela gravadora STAX, em meio a cultura do Black is Beautiful e da emergência de movimentos como o Panteras Negras, o concerto WATTSTAX, conhecido erroneamente como o “Black Woodstock”, pela referência de época.

A Stax reconsiderou muito em filmar o evento e torna-lo "mais um filme de show", mas diante de vários cinegrafistas afro-americanos que os procuraram, e da direção de Mel Stuart, irônicamente famoso por ser o diretor da primeira versão de "A Fantástica Fábrica de Chocolate", poucos anos antes, este documentário se tornou uma pérola pouco conhecida do grande público.

Este show é uma referência primordial (demorei demais para conhece-lo, agradeço ao parceiro Walter Fernandes por me apresentar esta pérola) do movimento Black dos anos 70, e do quanto a moda psicodélica nutriu todos os movimentos dos anos 60 e 70, pois vemos personagens primordiais da cultura Black como:

  • o ator e diretor Melvin Van Peebles, que produziu e organizou o show (2 anos depois de dirigir, e quase falir em função disto, a pedra fundamental do Blaxploitation, o filme Sweet Sweetback's Baadasssss Song, de 1971), pai do astro afro-americano Mário Van Peebles;
  • Jesse Jackson, aquele que muitos julgaram nos anos 80 que seria o primeiro presidente negro (e talvez um dos mais chorões na posse do Obama), ostentando uma cabeleira black, uma bata afro, e recitando com 10 mil pessoas o poema I’am Somebody (escrito por ele, e tornado público um ano antes na “Vila Sésamo”, o que trouxe um plus ao programa enquanto incentivo a auto estima das crianças afro-americanas);
  • o show de encerramento do mestre Isaac Hayes, arranjador e produtor da Stax, que fez com que esta gravadora se destacasse de sua concorrente mais famosa e pop, a Motown, pela qualidade musical;
  • Albert King, Rufus Thomas, Luther Ingran, The Bar-Kays, Carla Thomas, The Stapple Singers, dentre outros, com roupas que deixariam qualquer figurinista ou pesquisador da área doido por não ter ousado tanto;
  • Richard Pryor, na época começando a se tornar conhecido, filmado a parte num bate-papo onde ele destila a acidez de seu humor, onde os mais novos podem ter noção de onde surgiu a linha seguida posteriormente por Eddie Murphy e Chris Rock;
  • Ted Lange, consagrado ator e diretor afro-americano de teatro, premiadíssimo, mas só conhecido no Brasil como o barman da série oitentista “O Barco do Amor”;
  • e Ossie Davies na platéia, notório ator, primeiro realizador afro-americano a dirigir um filme, e eternamente homenageado por Spike Lee.

Bom... o barato que o documentário tem são suas entrevistas com anônimos que demonstram toda a gama de sentimentos que envolviam os mais diversos afro-americanos naquele ano, e estas intercaladas com os comentários e imitações de Richard Pryor (cujo “show” involuntário tem 2 horas de bruto, pelo que li, e dá gosto de “quero mais”), dão um toque fundamental, que vai além de mostrar como os negros se vestiam ou dançavam (aliás, que cenas memoráveis), mas como pensavam.

O interessante da iniciativa da Stax, 5 anos antes de sua falência, foi unir a “escola antiga” do Blues, tendo como representante o Albert King, e trazendo a tona um debate acalorado sobre a pertinência de um gênero que ousou não se misturar com os modernismos, a performances totalmente modernas como a entrada de Isaac Hayes, que para quem já as viu em outras oportunidades vê o quanto é interessante aquela careca ser ostentada por ele com tal força quanto um penteado Black Power, pois ele tem toda uma performance para entrar com a mesma coberta por um chapelão (retirado no caso pelo Reverendo, dublê de apresentador, Jesse Jackson) e tendo ao fundo a trilha fundamental de Shaft, que ganha grande forma ao destilar aquele vozeirão poderoso.

Um momento fundamental para fechar o comentário e não deixar o leitor com a impressão de que contei “quem matou o mordomo”... a cena da invasão do gramado pelo público, puxado por alguns presepeiros, e a forma como Rufus Thomas para o show e com uma lábia digna de um senhor (apesar do traje rosinha que prefiro não descrever para não estragar o choque da descoberta por quem quiser ver) faz com que centenas de invasores retornem ordenadamente para o outro lado da cerca que separa o gramado, levando os insistentes palhaços doidões de última hora que persistem em ficar. Para quem organizou um show para unir negros por uma causa em memória de distúrbios que destruíram um bairro física e espiritualmente, esta cena mostra que a união não “faz açúcar”, mas faz muita coisa bacana (desculpe pelo comentário, mas só uso Mascavo).

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