Watts Riots - Wattstax
Em 1965 o bairro de Watts,
Este bairro que surgiu como um bairro de imigrantes mexicanos até o final do século XIX, se tornou predominantemente branca até os anos 40, quando a constante migração de negros de cidades segregadas para aquela região (em especial com as oportunidades criadas pela indústria bélica a serviço da Segunda Guerra Mundial) tornou este bairro essencialmente negro.
O estopim do distúrbio foi a prisão, por direção veloz, do jovem negro Marquette Frye, que com seu irmão foram parados pelos C.H.I.P.S. (quem não tem idade para conhecer a sigla, é a Califórnia High Patrol, no caso a divisão de L.A.). Vários negros surgiram para ver a discussão, os policiais chamaram reforço, e diante da resistência deles, e de sua mãe que surgiu (o incidente foi em frente a suas casas), a polícia sacou a arma para afastar a população e levou a família Frye presa. A vizinhança ficou irada com a arbitrariedade e falta de controle da polícia, e este fato detonou 6 dias de protestos incendiários, encerradas apenas com a vinda da Guarda Nacional. Resultado: 34 de mortos, e milhares de presos e feridos... evento só comparável aos protestos em 92 por Rodney King.
Sete anos depois acontece um show promovido pela gravadora STAX, em meio a cultura do Black is Beautiful e da emergência de movimentos como o Panteras Negras, o concerto WATTSTAX, conhecido erroneamente como o “Black Woodstock”, pela referência de época.
A Stax reconsiderou muito em filmar o evento e torna-lo "mais um filme de show", mas diante de vários cinegrafistas afro-americanos que os procuraram, e da direção de Mel Stuart, irônicamente famoso por ser o diretor da primeira versão de "A Fantástica Fábrica de Chocolate", poucos anos antes, este documentário se tornou uma pérola pouco conhecida do grande público.
Este show é uma referência primordial (demorei demais para conhece-lo, agradeço ao parceiro Walter Fernandes por me apresentar esta pérola) do movimento Black dos anos 70, e do quanto a moda psicodélica nutriu todos os movimentos dos anos 60 e 70, pois vemos personagens primordiais da cultura Black como:
- o ator e diretor Melvin Van Peebles, que produziu e organizou o show (2 anos depois de dirigir, e quase falir em função disto, a pedra fundamental do Blaxploitation, o filme Sweet Sweetback's Baadasssss Song, de 1971), pai do astro afro-americano Mário Van Peebles;
- Jesse Jackson, aquele que muitos julgaram nos anos 80 que seria o primeiro presidente negro (e talvez um dos mais chorões na posse do Obama), ostentando uma cabeleira black, uma bata afro, e recitando com 10 mil pessoas o poema I’am Somebody (escrito por ele, e tornado público um ano antes na “Vila Sésamo”, o que trouxe um plus ao programa enquanto incentivo a auto estima das crianças afro-americanas);
- o show de encerramento do mestre Isaac Hayes, arranjador e produtor da Stax, que fez com que esta gravadora se destacasse de sua concorrente mais famosa e pop, a Motown, pela qualidade musical;
- Albert King, Rufus Thomas, Luther Ingran, The Bar-Kays, Carla Thomas, The Stapple Singers, dentre outros, com roupas que deixariam qualquer figurinista ou pesquisador da área doido por não ter ousado tanto;
- Richard Pryor, na época começando a se tornar conhecido, filmado a parte num bate-papo onde ele destila a acidez de seu humor, onde os mais novos podem ter noção de onde surgiu a linha seguida posteriormente por Eddie Murphy e Chris Rock;
- Ted Lange, consagrado ator e diretor afro-americano de teatro, premiadíssimo, mas só conhecido no Brasil como o barman da série oitentista “O Barco do Amor”;
- e Ossie Davies na platéia, notório ator, primeiro realizador afro-americano a dirigir um filme, e eternamente homenageado por Spike Lee.
Bom... o barato que o documentário tem são suas entrevistas com anônimos que demonstram toda a gama de sentimentos que envolviam os mais diversos afro-americanos naquele ano, e estas intercaladas com os comentários e imitações de Richard Pryor (cujo “show” involuntário tem 2 horas de bruto, pelo que li, e dá gosto de “quero mais”), dão um toque fundamental, que vai além de mostrar como os negros se vestiam ou dançavam (aliás, que cenas memoráveis), mas como pensavam.
O interessante da iniciativa da Stax, 5 anos antes de sua falência, foi unir a “escola antiga” do Blues, tendo como representante o Albert King, e trazendo a tona um debate acalorado sobre a pertinência de um gênero que ousou não se misturar com os modernismos, a performances totalmente modernas como a entrada de Isaac Hayes, que para quem já as viu em outras oportunidades vê o quanto é interessante aquela careca ser ostentada por ele com tal força quanto um penteado Black Power, pois ele tem toda uma performance para entrar com a mesma coberta por um chapelão (retirado no caso pelo Reverendo, dublê de apresentador, Jesse Jackson) e tendo ao fundo a trilha fundamental de Shaft, que ganha grande forma ao destilar aquele vozeirão poderoso.
Um momento fundamental para fechar o comentário e não deixar o leitor com a impressão de que contei “quem matou o mordomo”... a cena da invasão do gramado pelo público, puxado por alguns presepeiros, e a forma como Rufus Thomas para o show e com uma lábia digna de um senhor (apesar do traje rosinha que prefiro não descrever para não estragar o choque da descoberta por quem quiser ver) faz com que centenas de invasores retornem ordenadamente para o outro lado da cerca que separa o gramado, levando os insistentes palhaços doidões de última hora que persistem
0 comentários: