Dos Naturais aos Mundiais

16:51 Clementino Junior 1 Comments

Irônico pensar que na história do futebol carioca, em seus primórdios, os negros não tinham acesso a atividade. O que o cinema da diápora tem com isto?
Bom, na verdade com a chegada das primeiras câmeras de filmagem no final do século XIX, trazidas pela elite e por poucos profissionais oriundos desta mesma elite (como o pioneiro Afonso Segreto, primeiro cinegrafista em terras brasileiras, oriundo da Itália), começaram a ser registrados os primeiros “naturais”, documentários onde se via o cotidiano desta mesma classe social.

Curioso que antes de Paschoal Segreto (irmão de Afonso, e Midas dos clubes e da jogatina na época, em parceria com Cunha Sales) inaugurar o primeiro cinema no Rio de Janeiro, os clubes desportivos tinham eventuais exibições informais de filmagens domésticas feitas pela elite, e já nestes encontrávamos o panorama de imagens sociais onde o negro aparecia em segundo plano, ou por ser o serviçal da casa, ou por ser um dos milhares das ruas cariocas que entrou em quadro.
A dificuldade de acesso aos bens em geral se refletiu a partir daí tanto no futebol (onde os principais clubes os excluíam, o que permitiu o surgimento das equipes de futebol do Vasco e posteriormente do Flamengo graças a este grande contingente de atletas sem gramado) como no cinema, onde negros apareciam raramente apareciam. Enquanto nos E.U.A. eles apelavam para os "black faces" (oposto do mito carioca do pó-de-arroz tricolor), atores brancos pintados de negros, aqui no Brasil os poucos atores negros representavam índios, em obras como O Guarani (Antonio Leal, 1908) onde o Negro (ator e palhaço) Benjamin de Oliveira interpretava o protagonista Peri, além de outras tantas versões da obra de José de Alencar (O Guarani, de Vittório Cappelaro, de 1926). Nestes filmes o negro figurava substituindo o índio, que sequer teria acesso a este tipo de mídia até os anos 30.
Pensar que levaríamos 4 décadas, um gênio como Grande Otelo, e toda uma evolução no esporte, para que nos anos 60 as estrelas afro-brasileiras do futebol tomassem conta das telas, com as imagens de craques como Pelé e Garrincha criando imagens imortais, e gerando dezenas de documentários e biografias sobre eles, isto pouco antes do Cinema Novo que ampliou esta exposição dos astros e tentou trabalhar a imagem do negro como ícone proletário. No caso do futebol no cinema os reis eram ilustrados, aqueles que foram o divisor de águas.

Basta dizer que na década de 60 e até o início dos 70, Pelé foi ator em diversos filmes, como protagonista (muitos fazendo a si mesmo, inclusive numa autobiografia onde meu pai Clementino Kelé fazia o papel de Dondinho, pai do Rei do futebol), só perdendo para Grande Otelo.
Hoje mesmo que de forma estereotipada, o negro já tem uma presença maior nas telas, sendo que o futebol vem se distanciando cada vez mais do cinema e seguindo para outras mídias, como a TV, a internet e os games, mas pensar no futebol atual sem a presença do negro, ou na seleção brasileira, onde já são maioria, é impensável.

Hoje temos os frutos desta evolução, com um contigente de bons realizadores negros, alguns já ultrapassando a barreira do segundo filme, como Joel Zito Araujo, e vamos assim fazendo nossa seleção de craques.

Filmes brasileiros importantes para refletir sobre o assunto acima (notem que os dois primeiros foram realizados em simultâneo, apesar da biografia do Pelé ter sido relançada mais tarde):

  • Rei Pelé (dir. Carlos Hugo Christensen - 1962);
  • Garrincha, Alegria do Povo (dir. Joaquim Pedro de Andrade – 1962);
  • O Barão Otelo no Barato dos Milhões (dir. Miguel Borges – 1971 – Grande Otelo e Pelé juntos);
  • Isto é Pelé (dir. Luiz Carlos Barreto – 1974);
  • Garrincha (dir. Fábio Barreto /curta-metragem – 1978);
  • Pedro Mico (dir. Ipojuca Pontes – 1985 – curiosidade: Pelé é dublado por Milton Gonçalves);
  • A Negação do Brasil (dir. Joel Zito Araujo - 2000);
  • Pelé Eterno (dir. Aníbal Massaini Neto – 2004).

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Um comentário:

  1. Oi Clems, muito legal suas colocações e as histórias contadas inclusive por quem fez parte da história (seu pai). Acho que agente tá carecendo mesmo de contar nossas histórias nas telonas, especialmente as histórias que não se contam por aí. Gostei muito! Vou repassar. Bjs!

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