Cowboys Negros
Moustapha Alassane é uma das belas descobertas que fiz recentemente.Em função de uma palestra que darei em 30 de setembro na UFRJ, num seminário sobre cinema africano, me aprofundei na vida deste cineasta, cujo filme já fora exibido no Encontro de Cinema Negro Brasil-Africa em 2008, mas que não tive oportunidade de assistir a época.
Moustapha é um dos pioneiros do cinema no continente africano, cuja efervescência se deu nos anos 60. Começou fazendo parte da equipe de um filme do cineasta francês Jean Rouch, fundador do "cinema-verdade", chamado Petit à Petit (um trecho do filme em http://www.youtube.com/watch?v=TIICD9l5FxI&feature=PlayList&p=3F87D79F1CFD3493&index=8), e de lá para cá já realizou cerca de 30 obras, entre ficção, documentário e animação... sim, minha outra especialidade é a faceta mais interessante deste, que realizou a primeira animação africana, chamado A Morte de Gandji (outra animação dele, Bon Voyage SIM, está no Youtube no link http://www.youtube.com/watch?v=t2D2hC2CoQQ ) obra realizada após aprendizado no National Film Board, Canadá, com o grande mestre da animação Norman Mclaren.
Mas o filme sobre o qual falarei se chama "O Retorno do Aventureiro", primeiro western africano.
Estranhou? Se estranhou provavelmente é por não reconhecer que até os italianos na mesma época faziam seu westerns (ou filmes de bang-bang), e a mesma paixão que fez Sergio Leone e tantos outros trazerem estrelas como Giuliano Gemma e até sátiras com a famosa dupla Bud Spencer e Terence Hill também atingiu, no Níger, a Moustapha Alassane e seus amigos, para fazerem um western totalmente com um toque local(para conhecer um pouco do país, ver no google maps http://maps.google.com.br/maps?f=q&source=s_q&hl=pt-BR&geocode=&q=niger&sll=-14.179186,-50.449219&sspn=70.846523,113.203125&ie=UTF8&z=5 ).
Moustapha Alassane, mecânico de origem, trabalhou com amigos não atores para criar esta obra onde um jovem retorna ao Níger dos Estados Unidos, do avião parte para sua aldeia, cheio de vestimentas e selas, e resolve transformar seus amigos travessos em legítimos pistoleiros americanos. Ao assumirem personagens e armas, e aprenderem a atirar e a montar (esta parte é uma comédia no filme), eles tocam um rebú na aldeia deles até o ponto que a brincadeira fica séria e os líderes tradicionais não sabem mais como combater o poder das armas e ao sentimento que estas trazem perante a calmaria daquela região.
O grande barato deste filme, onde se encontra um estilo de filmar e dublar cenas típico de Jean Rouch, é ver como o ícone da conquista da América (o Cowboy) aparece aqui como ícone dos novos valores e da dominação externa, tentando mudar a vida daquelas pessoas.
Veremos em muitos filmes o discurso de como as armas mexem com a cabeça da pessoa e lhe impõe um poder que foge ao controle, mas na verdade as armas aqui simbolizam muito mais, e as caracterizações dos cowboys representam toda esta assimilação que o imigrante passa na estada em um país estrangeiro, ou pela colonização cultural externa em seu próprio país.
O confronto entre o sacerdote da cidade e o cowboy, que termina por espancamento do primeiro, e a sequência de desentendimentos entre os amigos, em função de sentimentos despertados pelo poder da arma, mostram toda este embate cultural que no final é vencido pela sabedoria.
Interessante é assistir ao documentário / Making of “Os Cowboys São Negros” de Serge-Henri Moati (que também exibirei) e descobrir que o filme todo foi filmado em um final de semana, pois todos voltam ao trabalho real (e urbano) na segunda-feira, e deixam as fantasias para trás (neste ponto, o documentário segue igualmente um jeito Jean Rouch de desconstruir seus personagens ao final de suas experimentações).
Num país como o Níger, que a época da realização do filme (1967) encontrava-se no meio termo entre a independência (com governo militar, em 1960) e da descoberta de Urânio (anos 70) que impulsionou por um curto tempo sua economia, até então baseada em agricultura de subsistência e criação de gado (ambiente cenográfico de “O Retorno do Aventureiro”), a recepção de novidades e a invasão cultural americana se fizeram presentes com peso, como se nota na apresentação do documentário, onde os jovens se apresentam, falam de seus personagens e quem são seus atores prediletos (todos atores brancos hollywoodianos, como John Wayne).
No dia 30 de setembro, as 13:30 (divulgarei de novo, próximo ao evento) exibiremos lá na UFRJ as duas obras, o filme e o documentário, e faremos um debate.
Para saber mais sobre o cinema africano, e sobre Moustapha Alassane, assista on line a este documentário http://www.joost.com/166yilg/t/Regards-d-Afrique-Moustapha-Alassane#id=166yilg .
Até lá, e continuem acompanhando outras histórias sobre o cinema da diáspora por aqui.
Clementino Junior
Querido Clementino,
ResponderExcluirParabéns pelo blog e parabéns pelo belo texto sobre este importante realizador africano, o Moustapha Alassane. Acho que vou virar frequentador.
Um forte abraço do
joel zito araújo
Caro Clementino,
ResponderExcluirmuito bacana seu blog! E é um prazer ter como visitante do Tecelã.
Vou indicar seu blog a um colega, com que fiz um curso de Jornalismo de Políticas Públicas, na UFRJ, e que também se liga nesse tema.
Estou linkando vc no meu blog.
Grande abraço.