Paris C’est Joli

08:59 Clementino Junior 1 Comments

Após duas semanas sem nada escrever, trago de volta comentários sobre mais 2 filmes da safra francófona de “clássicos do cinema africano restaurados” que se encontram na Cinemateca do consulado francês, no RJ, assim como os filmes do Moustapha Alassane que citei. Aproveitando a pauta, chamo a atenção da dificuldade e quase movimento de guerrilha que é conseguir filmes do continente para exibição por aqui, já que os acervos dos festivais internacionais que os recebem têm destino igual ao das fitas de BBB (galpões afastados ou lixões) e com isto obras inacessíveis comercialmente se perdem. No “Cinefrance” encontramos algumas obras que foram co-produzidas por franceses, ou como estes filmes dos quais falarei, produzidas na frança por cineastas de ex-colônias francesas do continente africano, ou seja, que tendem a ter um perfil próximo ao de cineastas e filmes franceses contemporâneos a suas realizações.

O DVD vem com três curta-metragens, um é o Afrique Sur Seine, um documentário caretão de uma certa ironia, mas com toda uma linguagem de documentário francês, onde os cineastas De Mamadou Sarr e Paulin Vieyra tentam encontrar a identidade africana na Paris de 1957 (mas não me aprofundarei neste por discordar da forma final do filme em relação a proposta).

Em seguida surgem as duas obras das quais pretendo fazer um paralelo...

Começando por Paris C’est Joli, uma obra realizada em 1974, que mostra claramente as regras do jogo para um recém chegado imigrante ilegal em Paris. O jovem negro em sua tentativa de chegar a Paris (vindo da Costa do Marfim) e encontrar um parente para começar sua vida por lá, é assediado sexualmente por quem lhe oferece carona, é enganado por um cafetão negro e seus parceiros franceses de um café, perde todo o seu dinheiro com uma prostituta... em suma, passa pelas dificuldades e consegue escrever a família num postal dizendo que “Paris é bonita, todos lhe tratam bem, e repita isto a nossos filhos, Paris é bonita!”. Esta história, apesar de uma aventura intercontinental, me lembra muito a migração para o “sul maravilha” feita por tantos nordestinos, com seu grande movimento até os anos 70 (hoje ainda continua em menor quantidade), e fica muito nítida numa cena onde o jovem, após escapar do tarado que tanto quer ver sua “terceira perna” (perdão pela informalidade...) ele pega um táxi e pergunta se o mesmo conhece o seu parente pelo nome, e o mesmo ao perceber a roubada prefere deixa-lo no bairro negro, onde com certeza alguém o conhecerá. A inocência do jovem chega a doer, pois imaginar que a cidade-luz é pequena como provavelmente o é a sua aldeia, é uma total falta de noção das armadilhas existentes na capital. Isto tudo nos anos 70, numa Paris influenciada pelos elementos que movimentaram o mundo através da mudança dos costumes, a influencia da psicodelia, dos cabelos grandes, boca de sino, liberdade sexual...

Por outro lado o filme Les Princes Noirs de Saint Germain de Pres (Os Príncipes Negros de Saint Germain de Pres, finalizado em 1975) já mostra o “jogo de cintura” de alguns destes imigrantes, que tiram proveito da busca de mulheres francesas de classe alta, brancas, curiosas pelo exotismo destes imigrantes, e se passam por jovens de famílias reais africanas para conquistá-las e por vezes, ser sustentados por elas. Estes príncipes negros representam, mesmo que de forma marginal, uma resposta ao que é apresentado no filme anterior: os imigrantes dominando o jogo social da “babel” na qual Paris, assim como todas as capitais européias, se tornou após o fim do regime colonial no continente africano. Uma cena hilária é quando duas jovens parisienses conversam sobre o “príncipe” que namorava uma delas, e a outra descreve: “...ele é de uma família nobre, não lembro bem o nome, e tem uma pulseira única, feita especialmente para ele”, e esta fala vem em off enquanto o “príncipe” cumprimenta outro “integrante de família real” na entrada do mesmo bar com um toque de punhos, e se percebe que ambos tem uma pulseira igual.

Estes filmes trazem elementos interessantes além da questão da África francófona: eles mostram a Paris dos anos 70, como a moda daquele tempo se desenvolveu por lá. Igualmente é interessante ver, o que já se retratava em Afrique Sur Seine, a presença do negro como integrante desta sociedade, e é claro esta ótica africana sobre os seus imigrantes, coisa que ainda não tenho notícia de já ter sido feita por aqui pelos recentes imigrantes lusófonos de países do continente africano.

Falemos agora dos realizadores das 2 obras setentistas: Inoussa Ousseini e Ben Diogaye Beye.


Inoussa Ousseini, assim como Moustapha Alassane, é cria de Jean Rouch, o engenheiro de obras que se tornou, graças a uma câmera 16 mm e muitas construções feitas no continente africano, um dos maiores documentaristas da história do cinema, criador do cinema verdade, e que na mesma década co-dirigiu dois filmes com Inoussa (Ganga em 1975, e Medecines et Medecins em 1977) e graças a seu incentivo estudou sociologia e antropologia na França, e voltando ao continente se tornou o diretor do departamento de cinema do Instituto de Pesquisa em Ciências Humanas de Niamey (Níger), criado pelo próprio Jean Rouch.



Já o senegalês Ben Diogaye Beye teve uma produção menos prolífera que Inoussa (que ainda produziu outros filmes nos anos 70 e tele-filmes nos 80s) mas tem obras datadas até 2004, como o longa Um Amor de Criança (Un Amour d’Enfant), que tem corrido vários festivais recentes. Ele também é autor, contemporâneo do grande Ousmane Sembene, e inclusive escreveu o roteiro original de “Camp de Thiaroye”, uma das primeiras obras de Sembene, que o filmou anos depois.

You Might Also Like

Um comentário:

  1. olá, Clem
    visitando seu blog e aprendendo um pouco sobre cinema "franco-africano" com você. Muito interessante!
    grande abraço.

    ResponderExcluir